quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CEZAR TRIDAPALLI, NOVO ROMANCISTA

Nílton Cezar Tridapalli, nome oficial, mas, porém, conhecido na literatura por apenas Cezar Tridapalli, que adotou como uma espécie de pseudônimo, o que é bastante frequente na literatura. O cidadão Nílton Cezar é bastante jovem, nasceu em Curitiba, em 1974.
Lecionou Teoria da Literatura na PUCPR e atualmente exerce suas funções no Colégio Medianeira como um dos responsáveis por pensar a educação em suas múltiplas linguagens, das mais tradicionais às chamadas novas mídias no Colégio Jesuíta, um dos mais tradicionais de Curitiba.
Nilton Cezar Tridapalli recebeu o título de mestre pela Universidade Federal do Paraná, no ano de 2004, com a dissertação De luzes e de sombras: jogos barrocos em contos fantásticos.
Procurando-se material sobre o escritor Cezar Tridapalli se encontram informações, que, além de romancista, é um grande tradutor de obras teóricas sobre literatura, principalmente de obras da língua italiana para o português, como, por exemplo, o Fantástico, de Remo Ceserani.
Este livro explora uma região particular da literatura e da arte moderna: aquela imaginação perturbadora e fantástica. Seguindo as manifestações dessa modalidade, o autor faz emergir sua capacidade muito especial de colocar em xeque nossa forma de ver o mundo e, com isso, revelar momentos de perturbação, de alienação e de dilaceração da consciência.
Ultimamente, Cezar Tridapalli, publicou o romance Pequena biografia de desejos. Segundo a crítica esse é um romance que já nasceu maduro. Diz do livro André Tezza Consentino:
Romances de estreia, em geral, são aqueles que depois da maturidade o escritor se arrepende e recusa a paternidade. E esta é a primeira grande qualidade do romance de Cezar Tridapalli: é um livro maduro, envolvente, _ de um vigor narrativo que só encontramos em escritores com mais tempo de estrada. Mas as qualidades vão além. É um olhar singular sobre o Brasil, a partir de Curitiba, esta cidade que desde Dalton Trevisan soube construir uma escola literária muito peculiar, de distanciamento, racionalidade e um fino humor.
Nesta tradição, Pequena biografia de desejos apresenta tanto o Brasil privilegiado quanto o país de uma imensa maioria de trabalhadores anônimos, aqueles que dificilmente são protagonistas do imaginário da classe leitora brasileira.
Mas não se engane: não é um romance dedicado à pedagogia ou à defesa de bandeiras políticas - como toda grande literatura, o livro de Tridapalli aposta, como fio narrativo primordial, na investigação da condição humana, mais atemporal e mais livre de demonstrações de teses ou teorias.
Finalmente, é um livro escrito dentro da tradição literária contemporânea mais preocupada em saber contemporânea mais preocupada em saber contar uma boa história do que em revolucionar a linguagem (...)
O crítico encerra afirmando que a estréia de Cezar Tridapalli "não passará despercebida. Pequena biografia de desejos, com certeza, dará um novo rumo na literatura feita no Paraná".
Na quarta capa, a editora selecionou o seguinte trecho do livro:
De início, sonhava com um abraço, forte, quente e, enquanto durasse, infinito. Se conseguisse isso, veria depois o que fazer, conforme as vontades que lhe dessem. Jamais, no entanto, tomaria qualquer iniciativa. Algumas noites, passou a sonhar que ditava para Adele trechos de seu livro. Os caminhos longos do ônibus eram dedicados a imaginar cenas, às vezes cogitando-as possíveis, outras vezes dando livre arbítrio para a loucura. Lembrava quando criança, nas primeiras paixões, estar sempre salvando a menina de perigos mil. Ria, misturava tudo e a imaginação, enquanto estivesse mergulhado nela, já lhe saciava um pouco os desejos.
Tridapalli abre a narrativa com este início questionador, que muitos de nós, muitas vezes, fazemos. Para as quais, de modo geral, não temos resposta:
Algumas perguntas não ficam menos interessantes ou menos verdadeiras só porque se tornaram clichés: até onde vão os limites de um homem? Eis uma pergunta cliché. Mas os limites são elásticos e, assim como tém um coeficiente de flexibilidade grande, assim como podem se expandir muito além de seu ponto de repouso, também - e isso é uma pergunta - podem encolher, atrofiar e formar uma crosta inerte dentro da qual a expansão vai ter sempre um sinal de menos antes? A superfície, a membrana que limita - muito flexível, importante repetir -, pode ficar ressequida, como borracha velha. Desidério chegara ao seu limite? Eu, Desidério, ele também se perguntava, cheguei ao meu limite?

Essa pergunta que é um trunfo nas mãos de um bom romancista é aqui, no livro de Tridapalli, um recurso precioso que irá se desenrolar ao longo do romance. César soube explorar o recurso com grande maestria e assim conseguiu um efeito literário que poucos escritores com seguem.
Ao encerrar a narrativa, Cezar Tridapalli escreve: Minutos antes de adormecer e sonhar com a estátua de mármore e com o escritor do outro lado da vidraça, Desidério agarrara firme o bilhete em que pedia ao tio para procu¬rar Adele e levar a ela o caderno. Ela entenderia o significado daquilo tudo, ele tinha certeza disso, de que bastaria a ela digi¬tar seu romance, aproveitar para dar uma ou outra revisada nos aspectos formais da língua portuguesa, e quem sabe até - sem a presença censora do autor - promover uma ou outra mudança, mas nada essencial. Por tudo isso, estava sereno e as contrações do rosto não eram espelho fiel de seu espírito. Dormiria um pouco aflito, é verdade, mas sabedor de que a sorte estava lan-çada, bastando fazer Pauline e Gregório encontrarem seu pas¬sado perdido no outro caderno para, já à revelia de seu criador, viverem sua vida feliz. Por isso Desidério morreu sem dor. Por isso e também por ter tido uma boa noite de sono antes da via¬gem final. O sonho não o impediu de ter um sono reparador, que o fizesse descansar para morrer.
Foi melhor assim, que Desidério morresse pensando que bastariam corrigir pequenos detalhes para seu livro ficar pronto. Passara despercebido por ele, no entanto, um grande problema narrativo: na primeira parte, na descrição das angústias de Pauline, Desidério, fascinado pelo modo escorreito de Adele, resolvera experimentar vestir a pele da primeira pessoa, cuja narração era feita por Pauline. Já a pressa e a ansiedade para terminar a obra fizeram com que ele ignorasse o fato e escrevesse toda a última parte em terceira pessoa, assumindo o controle da vida do novo casal, que até agora estava lá, com os lábios unidos e já possíveis câimbras na boca. Ignorar muitas vezes diminui o sofrimento. Do eu ao eles, de mim ao outro em apenas uma mudança de caderno.
Vestir muitas peles e ser quem?
Não se pode dizer se Adele foi ou seria habilidosa na junção das partes. Uma metade ficou lá no apartamento de Santiago; Adele, por um respeito piedoso, não conseguia jogá-la fora, quem sabe até roubaria alguns trechos se acaso resolvesse mesmo escrever. A segunda metade ficou lá no criado-mudo de Macária, também inerte, em cima das agendas do condomínio e do registro de atas. Quem sabe o tio não resolvia devolver tudo e, por acidente, as duas partes se encontravam? Talvez fossem para o lixo e tivessem a sorte de ser encontradas em algum latão ou aterro comum - já se sabe que nos lixos se encontram grandes preciosidades - por um diletante catador de comida que, a exemplo de Desidério, nutrisse amor por livros. Os escritos precisavam deixar suas gavetas, precisavam ser lançados ao mar. Só assim poderiam, como duas taças que brindam ou duas garrafas de vinho que por acidente se tocam e fazem tim-tim, unir suas partes e consagrar a união necessária.
Assim se arrastam os desejos humanos, às vezes céleres, sorridentes e fagueiros como crianças no campo ou propagandas de margarina, às vezes entrevados, cujos movimentos únicos parecem ser fasciculações involuntárias. De uma forma ou de outra, compreendidos todos os matizes possíveis nesse entremeio, estão sempre morrendo sem se terem satisfeitos.
Dois dias de velório são demais, há perigos constrangedores. Também apenas algumas horas seguidas de um enterro súbito podem dar o que falar por entre a vizinhança futriqueira. Assim, Cevício fez todos zelarem pelos prazos de um velório respeitoso, tempo suficiente para as orações subirem aos céus antes de Desidério e prepararem o caminho da alma, adulando os santos e dizendo que quem vinha lá debaixo fora sempre um bom homem, merecedor de todos os créditos celestes, incapaz de fazer mal à mais minúscula das criaturas divinas.
O tempo passará, o hall de entrada do edifício ganhará mais luz e a guarita será toda reformada, aumentando um pouco o espaço interno. Os porteiros velhos agradecerão ao novo, que chegou reivindicando melhorias com uma retórica de dar inveja a qualquer bom falastrão.
Quinze pessoas compuseram o cortejo. Ainda durante as últimas colheradas de cimento, todos já começaram a se afastar, esboçando a volta para a vida. Desidério foi quem ficou para trás, estendido em cima do jazigo do pai. Lá, os dois terão a eternidade para resguardar a imobilidade de seus corpos e o silêncio de suas palavras.

As marcas de uma literatura contemporânea, como apontou o crítico, percorrem a obra toda. Pelos fragmentos já se pode notar uma tendência pela autoficção, ou, então, por uma metaliteratura, tudo no caminho do Pós-Modernismo, o que fortalece e enriquece a obra de Cezar Tridapalli.

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